EMBOCADURAS: Por que, como, qual e quando.
Já foi dito que as embocaduras seriam a “chave” para cada cavalo.
Isso é mesmo verdade? E se não for, como descobrir a embocadura certa para cada caso e como aciona-la? Dúvidas quanto ao uso das embocaduras – bridões e freios em seus diversos modelos – estão entre os problemas mais comuns encontrados por todos os cavaleiros, de iniciantes a avançados. Quantas vezes já ouvimos que remédio para um cavalo desobediente está no uso de um freio mais “forte”?
E quem de nós sabe explicar com precisão os motivos para o uso de um modelo de embocadura em determinado cavalo?
E a expectativa de algumas pessoas,que buscam num “bridão diferente” uma solução mágica para um cavalo considerado problemático.
Estas perguntas são feitas com muita freqüência pelos leitores da Horse Business.
Elas foram à inspiração para a realização de um “workshop de embocaduras”, na Escola Desempenho de Equitação, onde combinamos aulas prático- teóricas a demonstrações montadas, utilizando tanto cavalos-modelo quanto animais de correção.
Quem não esteve lá poderá conferir abaixo uma síntese dos momentos mais interessantes e estimulantes.
O uso de embocaduras é o assunto mais controverso da história da equitação e pode ser uma fonte de equívocos atribuir a essa ferramenta atributos que ela não tem. A filosofia de que a embocadura é a chave do cavalo é reflexo do antigo pensamento mecanicista onde se “guiava”o animal com a embocadura. Hoje, a moderna neurofisiologia da equitação nos dará uma visão bem diferente do que ocorre.
O fato é que nenhuma embocadura jamais resolveu o problema que seu inventor preconizou, e a sua verdadeira função só pôde ser avaliada depois das descobertas realizadas na neurociência na segunda metade do século 20.
Origem da Embocadura
Os bridões articulados de ferro já estavam em uso na Mesopotâmia e no Oriente Médio há mais de 3.200 anos; os freios foram inventados pelos celtas há cerca de 2.400 anos. O bridão articulado tem uma ação direta sobre as barras, que são as áreas desprovidas de dentes da mandíbula inferior, onde ele faz contato, e sua ação quebra-nozes pode fazer contato também com o céu da boca do cavalo. Para ser corretamente usado, o bridão exige o uso das duas mãos.
As câimbras (pernas laterais) do freio e a barbela são responsáveis por seu efeito de alavanca e isso aliado à sua peça central rígida permitiu o uso de uma só mão do cavaleiro, liberando a outra para o uso de armas, ainda mantendo um grande controle do cavalo. Isto possibilitou o surgimento da cavalaria mais pesada, especialmente a partir da Idade Média. Nesta época, o pensamento mecanicista criou uma enorme variedade de “ferramentas” para os mais variados objetivos.
Um autor, L. Picard, diretor da Escola da Cavalaria de Saumur, chegou a “prescrever” mais de cento e cinqüenta modelos diferentes de embocadura para éguas prenhes, para cavalos turcos, para cavalos que disparam, para cavalos que tem dificuldade de virar para esquerda, etc.
Precisão e sutileza
Apenas mais recentemente chegou-se a uma compreensão mais correta da “conexão neurofisiológica” (Rink 1998) que as embocaduras estabelecem entre as mãos do cavaleiro e a boca do cavalo, órgãos que biologicamente têm fins semelhantes, pois são utilizados na apreensão de alimentos e que por isso são bem dotados de coordenação motora fina. Assim, o uso correto de bridões ou freio vai progressivamente estabelecida uma série de reflexos condicionados, que vão se refinando, até que seja possível para o cavaleiro comunicar suas intenções para o cavalo com um mínimo de força física, porém com um máximo de precisão e sutileza, a ponto do comando ser invisível para observador. Mais do que isso, o bom equitador procurará provocar em sua montaria a sensação de que o desejo do movimento partiu do próprio cavalo.O bom uso da embocadura delimita uma “zona de conforto” para o cavalo (Rink 2000). Por exemplo, com o uso de bridões o cavaleiro aumenta a pressão sobre a rédea esquerda quando deseja virar para esquerda. Um bom equitador precisa cultivar a sensibilidade de interromper a pressão”assim que o cavalo responde da maneira desejada.
Este reflexo adquirido é incutido no cavalo jovem do modo mais claro possível, interrompendo a pressão no primeiro instante da mais mínima tentativa de resposta correta – no caso, por exemplo, apenas virando a cabeça ligeiramente para o lado esquerdo. Isto dá ao cavalo a noção de que, quanto mais rápido ele responder ao comando, mais rápido a pressão cessará, e assim sua zona de conforto vai sendo delimitada. O imediatismo da reação positiva do cavaleiro fará com que o potro também vá respondendo cada vez mais rapidamente e mediante ao uso de pressão cada vez mais suave. À medida que o adestramento do cavalo progride, a cadeia de reflexos vai ficando bem estabelecida e o estímulo do cavaleiro pode ir ficando mais suave. Assim, com o cavalo mais avançado, vai se tornando possível trabalhar com um contato mais estável do bridão, onde a sutil “liberação de pressão” continua sendo sentida pelo animal, porém é pouco ou nada perceptível.
Círculo Vicioso
Em contrapartida, se num cavaleiro pouco educado não existe ligação lógica entre a movimentação das rédeas – as quais o cavaleiro às vezes nem se dá conta – e as ações do cavalo – por bem ou por mal o cavalo vai aprendendo a criar mecanismo para resistir à pressão e se defender do desconforto e da dor. Um exemplo fácil de se observar é o “alto”, quando a pessoa continua “puxando a rédea” depois que o cavalo já parou, ou pára de puxar alguns segundos depois que o cavalo se imobiliza ( o correto imediatismo de parar com a pressão significa o mais próximo possível do imediato – décimos ou centésimos de segundos nos cavaleiros avançados). Se o cavalo não vê recompensa em obedecer, ou seja, se o desconforto continua não importa o que ele faça, ele vai resistir cada vez mais e o cavaleiro precisará fazer mais força para conseguir a obediência do cavalo. Este é o cenário em que alguém desinformado exclamará: “você precisa usar um freio mais forte!” Só que o freio mais forte aumentará ainda mais o desconforto e a dor e continuará a não trazer o alívio,e o cavalo vai resistir mais ainda e estará formado o circulo vicioso.
Com a utilização de embocaduras mais “fortes” o animal vai perdendo a sensibilidade na boca e ficando cada vez mais difícil de conduzir. Um cavalo educado pressupõe a existência de um cavaleiro com as mãos educadas.E estas dependem absolutamente de uma posição de equilíbrio na sela, pois não é possível usar as mãos de maneira refinada se precisamos delas para nos dar equilíbrio e firmeza na sela; está é a função de pernas.
A prática, de preferência com a supervisão de um bom professor de equitação é essencial. A embocadura deve conferir ao cavaleiro uma ligeira vantagem mecânica, que é necessária em muitas situações,como quando o cavalo se “entusiasma” com a própria força e velocidade, criando um atraso na obediência às indicações de mudanças de velocidade e direção, quando o momento pode estar pedindo precisão e velocidade extrema. No entanto, é importante entender que o uso de uma embocadura mais forte não deve servir para causar mais dor, e sim para refinar e tornar mais preciso determinado comando, ou seja, para diminuir a força e aumentar a sutileza da equitação, sem que isto seja substituído para um domínio da técnica correta.
A embocadura deve conferir ao cavaleiro uma ligeira vantagem mecânica, que é necessária em muitas situações,como quando o cavalo se “entusiasma” com a própria força e velocidade, criando um atraso na obediência às indicações de mudanças de velocidade e direção, quando o momento pode estar pedindo precisão e velocidade extrema. No entanto, é importante entender que o uso de uma embocadura mais forte não deve servir para causar mais dor, e sim para refinar e tornar mais preciso determinado comando, ou seja, para diminuir a força e aumentar a sutileza da equitação, sem que isto seja substituído para um domínio da técnica correta.
Não é possível compreender o mecanismo de funcionamento das embocaduras, nem utiliza-las da maneira desejada, sem entendermos a dinâmica de todo o corpo do cavalo. Bridão ou freio são apenas o ponto de contato mais evidente entre a indicação do cavaleiro e a resposta do cavalo, e onde os problemas primeiro se manifestam, mas são também parte de um conjunto bem mais complexo, onde a deficiência em uma única área irá prejudicar o desempenho do todo.
Anatomia do Cavalo
Anatomicamente falando, a coluna vertebral do cavalo é uma linha horizontal (a parte cervical mais ou menos inclinada, dependendo da situação), que vai do alto da nuca à ponta da garupa. Ela está revestida de músculos e ligamentos e constitui como que o eixo propulsor do cavalo. Continuando as comparações mecanicistas, o “motor”do cavalo é o traseiro – a energia do seu movimento é gerada no posterior e transmitida aos anteriores e antemão através da coluna vertebral. Na frente está a “coluna de direção”, onde o impulso recebido será dosado e distribuído. Esta comparação evidencia algumas coisas: primeiro que o cavalo precisa estar bem trabalhado e flexível, com todas as partes do seu corpo funcionando em uníssono, para permitir a condução de energia do movimento do posterior para o anterior. Está é a importância da busca por um animal que trabalhe engajado e colocado. Segundo, o equitador precisa ter capacidade de gerar, distribuir e direcionar a impulsão, sem a qual a equitação não existe. A grosso modo, é possível dizer que o cavaleiro gere a impulsão com as pernas e, através das rédeas, estabeleça o limite da ação com as mãos. A mão educada, respaldada pelas atitudes mais ou menos enérgicas de pernas, determina velocidade e direção do movimento. No avançar a galope, por exemplo, o nível de energia gerado tem intensidade e direção diferentes do que na volta a passo para a direita.
Sensor de diagnóstico
Quanto mais pensarmos na embocadura com um sensor de diagnóstico do grau de flexionamento da coluna vertebral, e, portanto de todo cavalo mais fica claro que ela serve tanto ou mais para que o cavaleiro “ouça” o cavalo, e não apenas para que ele “grite ordens”, como poderíamos erroneamente pensar. Qualquer problema de transmissão, de fluxo de movimentos, de resistência ao trabalho proposto, ficará perceptível de imediato para as mãos do cavaleiro educado, que saberá iniciar manobras corretivas – de novo, partindo de pernas e sendo direcionadas pelas mãos. Jamais a ordem inversa. Se a embocadura for à chave do cavalo ela apenas abre a porta de entrada ao universo complexo e fascinante da equitação, cuja exploração vai muito além desta soleira. A melhor ferramenta depende da habilidade do artista para funcionar corretamente. Não imaginamos que um cinzel saiba, sozinho, esculpir o mármore, nem que um bisturi opere corretamente quando não está nas mãos habilitadas de um cirurgião. No entanto, muitas pessoas gostariam de encontrar uma embocadura “mágica”, que resolve todos os problemas de comunicação e obediência entre cavalo e cavaleiro, independentemente do nível de equitação de ambos. Não há substitutos para a dedicação e a disciplina, reconhecendo que o aprendizado da equitação, ciência e arte, começa um dia, porém não termina jamais.
Fonte: Revista Horse Ed.69 de Março-2001
Texto de Claudia Leschonski e Bjarke Rink